A Organização e o Peditório Comunitário
A organização do Círio de Olhalvo é partilhada entre as três localidades que compõem a freguesia: Olhalvo, Penafirme da Mata e Pocariça. Este sistema de rotatividade evita que a responsabilidade recaia sempre sobre o mesmo grupo, incentivando a participação de todas as comunidades. Antigamente essa organização era da responsabilidade de “comissões” — de pessoas que, localmente, eram nomeadas ou se voluntariavam para essa função—, atualmente a organização do Círio é da responsabilidade da Paróquia de Olhalvo, do Centro Cultural e Desportivo de Penafirme da Mata e da Associação Recreativa da Pocariça.
O peditório, realizado no sábado antes da partida do Círio, é um momento importante na preparação da celebração, com o propósito de angariar fundos para suportar os custos da organização. É realizado porta a porta, percorrendo as localidades da freguesia. A colaboração é voluntária, com a participação de gerações mais velhas e mais novas (em 2024, este peditório aconteceu a 7 de setembro).
A organização do peditório é da responsabilidade da localidade que tem a seu cargo, naquele ano, a organização do Círio. A Bandeira com a imagem de Nossa Senhora é levada às casas dos residentes das 3 localidades. Susana Valente, da Pocariça, que participou na organização do Círio de 2024, sublinha que é “como se levássemos Nossa Senhora à casa de cada pessoa” e há quem beije a figura da Nossa Senhora pregada nessa Bandeira, atribuindo um significado pessoal ao momento.
A Gaita de Foles desempenha um papel fundamental neste processo, acompanhando o peditório e anunciando a sua chegada, o que faz com que as pessoas da comunidade saibam o que está a acontecer e respondam à chamada.
A Gaita de Foles é um instrumento musical “imprescindível” que acompanha todo o Círio, desde o peditório até ao regresso. Joaquim Silva, um dos gaiteiros, salienta a sua preocupação em manter o reportório tradicional dos gaiteiros da zona, incluindo cânticos religiosos e hinos litúrgicos que são interpretados durante as entradas na Igreja e nas procissões. Este acompanhamento musical contínuo confere uma atmosfera tradicional à peregrinação, reforçando a sua identidade sonora. Margarida Silva, gaiteira, filha de Joaquim, reforça a importância deste reportório tradicional, que considera uma parte essencial da vivência comunitária do Círio.
José Damião Inácio, presidente da Associação Recreativa da Pocariça, e João Cipriano de Penafirme da Mata explicam que, antigamente, as festas eram também financiadas por “peditórios de lista” feitos especificamente aos residentes da localidade que organizava o Círio, com cada família a dar o que podia e ficando registado cada um dos contributos. Nos últimos anos já não se faz esse peditório anotado.
A Jornada e os Rituais da Peregrinação
No ano de 2024 o Círio de Olhalvo à Senhora de Nazaré partiu na quarta-feira, dia 11 de setembro. A concentração dos tratores, engalanados, ocorreu no Largo João Cristo, na Pocariça, junto à Associação Recreativa da Pocariça (10 tratores, 2 carrinhas de caixa aberta e 2 ciclistas). Noutros anos, os tratores concentram-se na localidade responsável pela organização da celebração (Olhalvo ou Penafirme da Mata).
Todos os anos, independentemente da localidade, os tratores dirigem-se à Igreja Paroquial de Olhalvo antes da partida, onde o pároco aguarda os peregrinos para um acolhimento e para a bênção do caminho.
João Pedro, da Pocariça, proprietário de um trator, descreve com entusiasmo esta fase: “As pessoas gostam muito de ver o Círio a passar, e interagem muito connosco. Acenam, nós acenamos, é bonito”. Cada trator é engalanado com palmeiras, murta, festões, bandeirinhas e flores artificiais, testemunhando a dedicação de cada família.
De Olhalvo, os tratores, que transportam os devotos e as insígnias sagradas – o Guião e a Bandeira da Senhora da Nazaré com a Cruz de prata – partem para a peregrinação. O trajeto inclui a passagem por diversas localidades, como Atalaia, Vila Verde dos Francos, Vilar, Pero Moniz, Bombarral, São Mamede, Óbidos, Caldas da Rainha, Tornada, Salir, São Martinho, Alfeizerão e Famalicão.
O percurso inclui várias paragens significativas. A primeira é em São Mamede, onde se realiza um peditório e as Bandeiras entram na Capela de São Lourenço para um momento de oração e reflexão.
Segue-se uma paragem em Óbidos, na Igreja do Senhor da Pedra, onde os tratores dão três voltas à Igreja. Este ato é profundamente simbólico, associado às três localidades que compõem a Freguesia de Olhalvo, reforçando a união e a representatividade de toda a freguesia. O Padre João Sobreiro explica ainda que as três voltas também simbolizam a Santíssima Trindade — Pai, Filho e Espírito Santo —, representando assim a plenitude e a identidade cristã.
Em Óbidos os peregrinos almoçam, geralmente em estilo piquenique partilhado e, desde os anos 70, antes da partida para a Nazaré realiza-se, na Igreja do Senhor da Pedra, uma breve cerimónia que reforça o caráter religioso da festa.
Após Óbidos, o percurso do Círio de Olhalvo prossegue até à Nazaré. A chegada à Vila ocorre na própria quarta-feira, sendo um momento de instalação e preparação da celebração, sem eventos formais. Nelson Costa, peregrino de Olhalvo, menciona que, ao chegarem à Nazaré, os tratores são estacionados e as Bandeiras e o Guião são guardados no Santuário. Alguns peregrinos voltam para as suas terras e retornam para as celebrações no sábado, mas a maioria aproveita para tirar umas “miniférias” e pernoitam na Nazaré. Cada família arranja o seu alojamento.
Antigamente, as condições de alojamento na Nazaré eram bastante diferentes. Nelson Costa recorda que os participantes ficavam na “casa do Círio”, um espaço cedido pelo Santuário. Nesse local, todos dormiam no chão, em colchões improvisados, num ambiente de grande animação e “paródia”. Francisco Cipriano, do Olhalvo, também descreve este forte convívio na “casa do Círio”, onde todos ficavam juntos, partilhando refeições e histórias, muitas vezes dormindo no chão. João Cipriano refere que “havia que garantir a hospedagem das pessoas em casas emprestadas ou em salas cedidas pela Confraria da Nazaré”, onde se dormia em colchões de palha e se partilhavam cobertores e esteiras.
No entanto, as condições atuais são distintas. João Cipriano observa que “hoje, as condições mudaram significativamente: já não há casas disponíveis para alojar os participantes, e quem quer pernoitar na Nazaré tem de pagar, o que torna a experiência diferente”. Apesar destas mudanças, Nelson Costa salienta que, embora a “paródia” não seja a mesma, ainda há quem opte por ficar numa casa do Santuário (diferente da original), mesmo pagando, preservando o espírito comunitário da tradição.
As Celebrações no Santuário da Nazaré
No sábado de manhã, ocorre a entrada oficial do Círio no Santuário da Nossa Senhora da Nazaré, que inclui a entrada da Banda da Sociedade Filarmónica Olhalvense seguida dos tratores que dão, novamente, três voltas ao Santuário parando, depois, no recinto, de frente para a Igreja.
A comunidade da Cardiceira, freguesia do concelho de Torres Vedras, demonstra a sua fé ao juntar-se ao Círio neste dia. Nelson Costa destaca a consistência da participação desta comunidade, observando que os seus membros marcam presença anualmente. A Bandeira e Cruz da Cardiceira são frequentemente transportadas nos tratores do Círio de Olhalvo, partilhando a entrada solene no Santuário. Nelson Costa esclarece que, por vezes, uma carrinha é utilizada para transportar a Bandeira e Cruz da Cardiceira, mas na maioria das ocasiões, estas são colocadas num trator do Olhalvo, seguindo as Bandeiras da paróquia, para a entrada conjunta.
Depois da entrada oficial, a cerimónia inicia-se com o acolhimento público do Círio pelo Padre da Nazaré à entrada do Santuário, um momento de boas-vindas que antecede a missa solene. Segue-se a entrada das insígnias na Igreja, onde a imagem da Nossa Senhora da Nazaré, do próprio Santuário, já se encontra num Andor decorado com flores.
Celebra-se então uma missa solene com a participação dos padres da Nazaré e de Olhalvo, seguida da procissão— o “ponto alto dos festejos e da devoção à Senhora da Nazaré”.
A procissão percorre o recinto em frente ao Santuário. O Guião e as Bandeiras da paróquia de Olhalvo seguem à frente, acompanhados pela Bandeira e Cruz da Cardiceira e pela Gaita de Foles. Segue depois o Andor com a Imagem da Nossa Senhora da Nazaré, levado usualmente por duas pessoas do Círio do Olhalvo e duas pessoas da Cardiceira, ou alguém que esteja a cumprir alguma promessa. No final, antes dos devotos, desfila a Banda da Sociedade Filarmónica Olhalvense e as individualidades institucionais (representantes do Município de Alenquer, da Freguesia do Olhalvo, das localidades organizadoras e outras entidades).
No Sítio faz-se uma paragem para oração e depois regressa-se à Igreja, onde o Padre de Olhalvo profere uma bênção. Por fim, as insígnias recolhem à Igreja, permanecendo ali até ao dia seguinte, quando se inicia o regresso a Olhalvo.
O Regresso e o Encerramento em Olhalvo
No domingo, o Círio regressa ao Olhalvo, despedindo-se do Santuário da Nossa Senhora da Nazaré logo cedo, pela manhã — com uma representante dessa instituição a vir à entrada com a chave do Santuário para dizer adeus aos peregrinos que partem nos seus tratores.
O percurso de volta é semelhante ao da ida mas com algumas alterações, como a omissão da paragem em São Mamede. No caminho de volta, também já não se passa por Alfeizerão, indo por dentro de São Martinho e saindo na Tornada. O almoço de convívio acontece novamente em Óbidos, onde também dão as três voltas à Igreja do Senhor da Pedra. Por vezes, os peregrinos entram na igreja, outras não, dependendo se está aberta.
A chegada a Olhalvo tem hora marcada, por volta das quatro da tarde, e é um dos pontos altos do regresso. No Cruzeiro, à entrada de Olhalvo, organiza-se uma procissão até à Igreja de Nossa Senhora da Encarnação. A Banda e três cavalos aguardam para este momento simbólico. Como antigamente o Guião era transportado por cavalos, mantém-se essa tradição.
Quando chegam a Olhalvo, muitos esperam os peregrinos no Adro da Igreja. Os tratores dão as três “voltas do Círio” e há um sermão de chegada. Se o Círio for de Penafirme ou da Pocariça, o ciclo encerra-se na respetiva terra. Em 2024, o encerramento final do Círio ocorreu com a chegada dos tratores ao local de partida na Pocariça, junto à sede da Associação, onde a Banda Filarmónica deu um concerto final. Antigamente, as festividades de encerramento duravam segunda e terça-feira, com bailes e outras celebrações, mas estas foram encurtadas devido às exigências laborais modernas.









