Na baía do rio Tejo, sobrevive uma arte singular, vibrante e carregada de simbolismo: a pintura tradicional das embarcações típicas. Os seus protagonistas são artesãos que embelezam os varinos, faluas, canoas e catraias e preservam uma expressão identitária coletiva enraizada na cultura ribeirinha. Esta arte não é apenas decorativa, é parte integrante do Património Cultural Imaterial da região, transmitida de geração em geração, associada à construção tradicional das embarcações do Tejo.
Embora estes três pintores - Eduardo Rodrigues, Luís Filipe, Luís Guerreiro - estejam sediados na Moita, este tipo de pintura estende-se a toda o estuário do Tejo. São frequentemente chamados a pintar embarcações de outros concelhos, como Seixal Montijo, Vila Franca de Xira ou Alcochete sendo reconhecidos por um estilo próprio e inconfundível. Este reconhecimento reflete o carácter partilhado da tradição, em que cada comunidade ribeirinha contribui para a manutenção de um património comum.
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A arte de pintar barcos está também intimamente ligada à construção naval tradicional do Tejo. Não há pintura sem madeira, nem decoração sem casco. Os estaleiros, alguns deles ainda ativos, continuam a ser espaços de transmissão de saberes, onde a colaboração entre carpinteiros, arrais e pintores mantém viva uma cadeia de conhecimento artesanal. Este ecossistema cultural faz parte do tecido vivo das comunidades ribeirinhas e é exemplo de uma prática integrada e colaborativa.
Os motivos decorativos presentes nestas embarcações são variados e de grande riqueza simbólica. Destacam-se:
- Flores (rosas, cravos, malmequeres), muitas vezes agrupadas como buquês ou bordados, com cores vivas e sombreados subtis;
- Letras decorativas, pintadas de acordo com um tipo de letra informal, não fixado mas partilhado pela comunidade, onde cada pintor acrescenta o seu toque pessoal.
- Painéis de popa e proa com cenas religiosas, taurinas ou da vida quotidiana no estuário;
- Elementos geométricos e padrões ornamentais, herdados da estética tradicional e naval portuguesa.
Estas composições são executadas com tintas diluídas, pincéis finíssimos, e com controlo do gesto e da respiração. Os barcos tornam-se expressões artísticas flutuantes, cujas pinturas são pensadas para brilhar especialmente nas festas fluviais, como a da Nossa Senhora da Boa Viagem, na Moita, descrita por um dos praticantes como “um desfile de vaidades”, onde cada embarcação exibe com orgulho a sua decoração mais recente.

Funções e Significados
A pintura tradicional das embarcações desempenha múltiplas funções:
- Estética: confere beleza e distinção às embarcações;
- Identitária: expressa a pertença à comunidade ribeirinha;
- Social e ritual: integra-se nas festas e eventos religiosos e laicos;
- Memória coletiva: mantém viva a ligação entre as gerações e o território;
- Técnica: complementa o ciclo da construção e manutenção naval artesanal.