MEMORIAMEDIAExposições virtuais
barco tradicional do Tejo
Varino - Sec XIX. Cruz, José Chaves. @PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/CRU/000489

As embarcações tradicionais do rio Tejo tiveram, desde pelo menos o século XV, um papel central na vida económica da região. Foram fundamentais no transporte de mercadorias, matérias-primas, produtos agrícolas, gado e passageiros entre as margens do rio e a cidade de Lisboa, abastecendo-a com recursos provenientes da lezíria, da charneca e da serra.

Estas embarcações eram adaptadas ao regime das marés, aos ventos e às correntes do estuário, e operavam diariamente como parte da economia fluvial. O seu registo está documentado em fontes iconográficas diversas — incluindo pinturas antigas, gravuras, fotografias de arquivo e postais ilustrados do século XIX e início do século XX — que mostram a imponência destas frotas em pleno funcionamento.

Tradicionalmente, os cascos das embarcações eram protegidos com pez (alcatrão) para impermeabilização, o que conferia à madeira uma cor negra e limitava a pintura decorativa a áreas reduzidas como as "emendas", pequenas faixas no topo dos cascos, e o interior das embarcações, onde se localizavam os painéis figurativos e florais.

Varino Tejo
Varino e Fragata - Sec. XIX. Autor desconhecido. @PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/LSM/000917

Com o avanço técnico e o abandono progressivo do uso de pez no início do século XX, os cascos passaram a ser pintados com tintas coloridas, abrindo espaço para o desenvolvimento e expansão das decorações exteriores, que se tornaram mais exuberantes e visíveis.

Paralelamente, nas festas religiosas, fluviais e romarias, tornou-se hábito engalanar as embarcações com bandeiras, colchas, flores e pintura renovada, como forma de honra, rivalidade saudável e expressão estética. Em festas como a da Moita, as embarcações eram por vezes tapadas com lonas até ao momento da procissão fluvial, guardando em segredo a pintura nova — numa “feira de vaidades” onde se mostrava o talento do pintor e o orgulho do proprietário.

familia de construtores pintores
Família de construtores e pintores dos estaleiros do Gaio. @arquivo da C.M. Moita

A arte de pintar barcos tradicionais da baía do Tejo é um saber coletivo, enraizado na experiência das comunidades ribeirinhas do estuário do Tejo (Moita, Barreiro, Seixal, Alcochete, Lisboa, entre outras). Trata-se de um património que é transmitido oralmente e na prática, de geração em geração, pertencendo à memória coletiva e identidade cultural dessas comunidades. Integra o sistema de relações sociais e de cooperação entre estaleiros, arrais, pintores e proprietários de barcos, conhecido por "paga da praia".

Os atuais pintores, Eduardo Rodrigues, Luís Filipe e Luís Guerreiro, referenciam alguns mestres com que aprenderam esta arte, como António Carlos Dias e Diogo Gomes.

Diogo Gomes, começou a pintar estes barcos nos anos de 1960 e foi um dos mestres da atual geração de pintores. Aprendeu a arte porque "...frequentava muito o estaleiro, desde pequeno. E o mestre do estaleiro, lá em Sarilhos Pequenos, era o meu vizinho. E depois ia lá batelões ia lá, fragatas e depois, quando chegava a altura de pintar os nomes, ele, como sabia que eu dava uns toques: - Eh Diogo vai lá pintar, vai lá pintar o nome ao batelão (...) e a partir daí, comecei a pintar e nunca mais parei. Fui o pintor do estaleiro de Sarilhos Pequenos. Fragatas barcos, tudo o que aparecia para fazer as flores e os nomes. Era eu que pintava." (Câmara Municipal da Moita, 2017, 12:34)

Diogo Gomes
Diogo Gomes - Mestre de Pintura de barcos tradicionais. @fotograma de vídeo C.M. Moita

O processo de aprendizagem da arte da arte passou a ser misto. Entre a observação dos mestres a pintar na praia ou no estaleiro e algumas atividades formativas organoizadas localmente. Luís Filipe diz-nos que, apesar de ter acompanhado o processo de pintura desde criança observando os mestres e de ser proprietário de duas embarcações, só começou a pintar depois de frequentar um curso dado pelo mestre Diogo Gomes.

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