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Origem e história

As descrições e registos remotos de reduções do mosto através da fervura, semelhantes ao arrobe, remetem para receitas da antiguidade clássica (Roma e Grécia) e da época Medieval. Columela, engenheiro agrónomo do século I a.C., estudioso da agricultura do Império Romano descreve a fabricação de defrutum:[1] o mosto de uva reduzido em 1/4 ou 1/3 (neste último caso também conhecido por caroenum). Um melaço espesso, concentrado e escuro produzido através de cozedura lenta e longa. Usado na confeção de pratos e condimentos doces, salgados e agridoces (Moncorgé & Graziani, s.d.).

Plínio, o Velho, naturalista romano, define, um século depois, a sapa como uma redução para a terceira parte da quantidade inicial. Um mosto de uva preta reduzido a 1/3, sem álcool, por fervura lenta e prolongada. A receita da sapa é parecida com a receita do mosto cotto, a diferença está no facto da redução do mosto cotto ser a 2/3. Ambas as reduções ainda são confecionadas em diferentes regiões de Itália - Emília-Romanha (Norte), Abruzos, Marcas (centro), região da Calábria e Apúlia (meridional, sul) e nas ilhas da Sardenha e Sicília (Moncorgé & Graziani, s.d.). Na Sardenha a sapa serve ainda como base para a produção de vinagre balsâmico.

Na Península Ibérica, os termos al rub ou rub da gastronomia do al-Andaluz designam o costume gastronómico praticado durante o período da dominação muçulmana na Idade Média (711–1492). No livro La Cuisine Andalouse, Un Art De Vivre XI° - XIII° Siècle, Lucie Bolens (1990) refere quatro receitas de rub.[2] As receitas medievais consideram a redução de 2/3 do mosto inicial e indicam que o rub já era utilizado para misturar com diferentes frutas (neste sentido, próximo da receita da uvada).

A expressão atual da confeção da uvada resulta, assim, da influência preponderante das civilizações antigas árabes, romanas e gregas e da manutenção dessa tradição pelos séculos, transmitida de geração em geração.

Em Portugal, António Maduro refere a prática do arrobe na fabricação do vinho pelos Frades Bernardos de Alcobaça, no século XII, conferindo-lhe mais graduação - “concentrado de mosto que se adicionava durante a fermentação vinária numa proporção de meio almude para um tonel de duas pipas” (2012: 42). Dentro do espaço dos mosteiros existiam adegas nas enfermarias onde, a partir do arrobe, se fabricavam xaropes para fins medicinais (Maduro, 2017).

No registo de Hipólito da Costa Cabaço (1939) refere-se que para fazer a uvada pode juntar-se ao “arrobe” os “pêros, pêras, abobora menina ou outros frutos, vai ao fôgo até ficar uma espécie de marmelada, junta-se-lhe cravos de cabecinha e canela em pau”.[3]

Vários relatos referem ainda que a uvada era confecionada em dois contextos diferentes: no final das vindimas na casa do patrão, quando algumas trabalhadoras deixavam o campo e eram destacadas para a cozinha para fazer a uvada; durante a vindima na casa das famílias com menos possibilidades, depois da “jorna”, durante a noite, usualmente na rua ou no quintal onde era colocado o tacho de arame sobre uma trempe e o lume de lenha.

 

[1] Defervere, em latim, significa “resfriar, depois de ferver”.

[2] De referir que Lucie Bolens fala do rub como um produto alcoólico, neste caso a redução é menos concentrada (a 2/3) e segundo três cozimentos sucessivos com intervalos noturnos para provocar a fermentação.

[3] Registo realizado em 1939 em resposta a um pedido da Câmara Municipal de Alenquer – Documento do Arquivo Municipal de Alenquer.