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A diversidade cultural e a Uvada no Mundo

Considerando a ligação óbvia da confeção do arrobe e da uvada ao cultivo da uva, é de esperar a existência de práticas equivalentes, mais ou menos preservadas, mais ou menos vivas, noutros pontos do mundo, nomeadamente entre países que partilham as mesmas raízes históricas.

Assim, fora das fronteiras nacionais, é possível encontrar receitas equivalentes ao arrobe em Espanha (arrope), França (raisiné), Itália (sapa e mosto cotto), Suíça (vin cuit), Irão (shire angoor), Turquia (pekmez), Chipre (épsima) ou América latina (por exemplo, o arrope no Chile, na Argentina ou na Bolívia).

Já em relação à uvada é mais difícil encontrar receitas iguais às confecionadas na Região Oeste de Portugal. Contudo, para além de distintas, é de referir receitas idênticas que são cozinhadas em três países específicos –  em Espanha (arrope com adição de frutas), na Suíça (coignarde) e em França (raisiné com adição de frutas). Receitas equivalentes à uvada se tivermos em conta:

a) o conceito abrangente da redução de sumo de frutas (especialmente de uva), sem álcool e sem adição de açúcar, mas com adição de frutas;
b) as características do processo de cozedura (lenta e longa), modos de preparar e utensílios;
c) o produto final (cor mais ou menos escura, textura espessa ou viscosa) e uma grande concentração de açúcar natural;
d) as diferentes aplicações do produto.

Em particular sobre o arrobe, o mosto ou sumo de uva reduzido assumiu diferentes nomes conforme os países. Foi sofrendo alterações nas receitas e compreendendo variantes que demonstram a riqueza e diversidade cultural desta prática: pode ser feito com sumo de uva ou de outros frutos ou com ambos; pode ser alcoólico ou não; [1] mais espesso ou mais líquido; mais escuro ou mais claro.[2]  

Especificando sobre as receitas equivalentes à uvada é de referir que, em Espanha, ao arrope reduzido até 1/4 ou 1/5 do mosto de uva inicial adicionam-se pedaços de fruta - abóbora, melão, melancia, pêssego, figo, figos da Índia e marmelo. Por exemplo, na Andaluzia junta-se a abóbora ao mosto da uva e aromatiza-se com camomila. A algumas receitas de arrope adiciona-se cal (depois filtrada) para limpar e neutralizar a acidez do mosto. O arrope é produzido na Andaluzia, Castela-Mancha, Valência, Múrcia, Estremadura e Catalunha – mas também se encontram referências da sua produção no Chile, Peru, Bolívia e Argentina. Contudo, nestes últimos países o arrope nem sempre é feito de mosto de uva. Por exemplo, o arrope do fruto chañar (em Atacama – Chile) ou o arrope de tuna (figo da Índia) (na Província de Córdova - Argentina).

Na Suíça o coignarde corresponde à junção de pera, marmelo ou abóbora ao chamado vin cuit, a redução do sumo de uvas ou, até mais frequentemente, a redução do sumo de peras ou maçãs, aromatizado com canela e anis estrelado, sem adição de açúcar. O vin cuit é produzido com ligeiras diferenças de receita e diferentes denominações por região: vin cuit (Suíça francesa, no cantão de Friburgo), raisinée, raisiné, résiné (na Suíça, no cantão Vaud, em la Côte) ou cougnarde, cugnarde, biresaasa (no Friburgo alemão).[3] Actualmente o vin cuit é bastante apreciado pelos consumidores (na doçaria, em sobremesas, bolos, tartes e acompanha gelados e crepes) é cada vez mais utilizado pelos chefes de cozinha (Pugin, 2004).

Em França o raisiné é o sumo de uva, cozido e reduzido, sem adição de açúcar, à qual se junta, por vezes, peras, marmelos, mas também outros frutos doces, como o melão, figos ou ameixas. É uma especialidade feita a partir do sumo da uva tinta proveniente de terrenos soalheiros. O raisiné tem expressão na região de Borgonha-Franco-Condado e em Charente na região da Nova Aquitânia).[4]

 

[1] De referir que Lucie Bolens fala do rubcomo um produto alcoólico, neste caso a redução é menos concentrada (a 2/3) e segundo três cozimentos sucessivos com intervalos noturnos para provocar a fermentação.

[2] No Médio Oriente o shire angoor é similar ao arrobe, contudo é usual juntar-se cal ou argila (depois filtrada) para purificar e diminuir a acidez do mosto. Também a uva pode passar por um processo de secagem. A produção do shire angoor tem maior expressão no Irão. Na Turquia – Anatólia, produz-se o pekmez a partir da redução de sumo de fruta, sobretudo da uva, mas também de cerejas, ameixas, figos, alfarroba, romã e tâmaras. Tal como na elaboração do shire angoor, junta-se o toprak (terra local que contém argila e cal) e depois da primeira fervura de várias horas o sedimento é filtrado num saco de juta. O xarope é fervido uma segunda vez para aumentar a concentração. Também idêntica ao arrobe, a épsima (o equivalente grego à sapa de origem romana) tem expressão em Chipre. Embora o termo seja de origem grega, não foram encontradas referências atuais desta receita artesanal na Grécia. De referir ainda que, não sendo feito do sumo de uvas, o sirop d’ érable (xarope da ácer) também é uma redução para obter concentração de açúcar natural, mas neste caso a partir da seiva da árvore ácer, original dos povos ameríndios, muito popular e bastante enraizada na América do Norte e sobretudo no Canadá (Ontário, Quebec).

[3] Do vin cuit é produzida a mostarda de Bénichon (do cantão de Friburgo).

[4] https://fr.wiktionary.org/wiki/raisiné e https://fr.wikipedia.org/wiki/Raisiné